terça-feira, 27 de setembro de 2011

Posso errar? - Leila Ferreira


Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”.
Foi num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois
de ver que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia
farmácia nem shopping num raio de 10 quilômetros . A única opção era
usar o dois-em-um (xampu com efeito condicionador) do kit do hotel.
Opção? Maneira de dizer. Meus cabelos, superoleosos, grudam só de
ouvir a palavra “condicionador”. Mas fui em frente. Apliquei o produto
cautelosamente, enxaguei, fiz a escova de praxe e... surpresa!
Os cabelos ficaram soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove
vidros de xampu “certo” que deixei em casa costumam prometer para nem sempre cumprir.
Foi aí que me dei conta do quanto a gente se esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou: certa por quê?
O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa? Minha
amiga se casou com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete
anos. Levou um mês para descobrir que estava com o marido errado. Ele
foi “certo” até colocar a aliança. O que faz surgir outra pergunta:
certo até quando? Porque o certo de hoje pode se transformar no
equívoco monumental de amanhã. Ou o contrário: existem homens que
chegam com aquele jeito de “nada a ver”, vão ficando e, quando você se
assusta, está casada — e feliz — com um deles.
E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o vestido certo e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na hora de sair para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que está tudo errado? As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas talvez você se sentisse melhor com uma dose menor de perfeição. Eu mesma já fui para várias festas me sentindo fantasiada.
Estava com a roupa “certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado
mais parecida comigo mesma, nem que fosse para “errar”.
Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar
dos problemas de saúde, e ela me respondeu: “Eu sei que está errado,
mas a gente tem que fazer alguma coisa errada na vida, senão fica tudo
muito sem graça. O que eu queria mesmo era trair meu marido, mas isso
eu não tenho coragem. Então eu fumo”. Sem entrar no mérito da questão
— da traição ou do cigarro —, concordo que viver é, eventualmente,
poder escorregar ou sair do tom.
O mundo está cheio de regras, que vão desde nosso guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que
vamos dizer na entrevista de emprego, o vinho que devemos pedir no
restaurante, o desempenho sexual que nos torna parceiros
interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá
status, a idade que devemos aparentar. Obedecer, ou acertar, sempre é
fazer um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado.
O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se
surpreendem quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre
alguém que pergunta: “Como assim?! Você não dirige?!”. Com toda a
calma, ele responde: “Não, eu não dirijo. Também não boto ovo, não
fabrico rádios — tem um punhado de coisas que eu não faço”.
Não temos que fazer tudo que esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos.
Como diz Sofia, agente de viagens que adora questionar regras: “Não sou obrigada a gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma vida sem carboidratos”.
O certo ou o “certo” pode até ser bom. Mas às vezes merecemos aposentar régua e compasso.